PRINCÍPIO DE COSMOVISÃO

Por: Daniel L. Petersen

O que é cosmovisão?[1]

Cosmovisão é o conjunto de informações que direciona, relaciona e influência direta e indiretamente o indivíduo no processo que o leva a perceber, visualizar e interpretar a sua realidade (no mundo e do mundo), tendo como a principal causa, a influência família-teológica-cultural, que atuam como agentes transformadores dessa realidade, formando suas crenças e convicções pessoais assim como culturais, relacionadas ou não com uma comunidade, região ou povo. Desta forma, cosmovisão está diretamente relacionada com a forma com que entendemos o mundo e os principais pressupostos relacionados a vida.  Segundo o Rev. Ewerton B. Tokashiki:

Cosmovisão é uma palavra que se refere ao entendimento que temos de Deus, de nós e do mundo. Em outras palavras, é a resposta à pergunta como interpretamos e explicamos tudo o que existe? Talvez, outras perguntas são necessárias para entendermos a necessidade de conceituar a nossa cosmovisão. Como surgiu o universo? De onde viemos? Quem somos? Qual o propósito da vida? Por que o mal existe? Há sentido no sofrimento? A história terá um final feliz? [2]

 No meio desta relação entre nossa percepção de realidade, e a busca por respostas, temos as matrizes formadoras de uma cosmovisão, que são compostas pelos pressupostos fundamentais com as quais em primeira instância já nascemos com elas e por conseguinte, os aspectos que são influenciadores no âmbito ao qual somos naturalmente expostos a eles, como exemplos, o conhecimento inato de Deus e a disposição e influência direta de sua ação sobre o indivíduo, a cultura, o credo, etc., bem como na inter-relação do grupo ao qual fazemos parte individualmente. Conforme cita o Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa: todo conhecimento parte de um pré-conhecimento que nos é fornecido por nossa condição ontologicamente finita e pelas circunstâncias temporais, geográficas, intelectuais e sociais dentro das quais construímos as nossas estruturas de conhecimento”(COSTA, 2015)[3].

Esse entendimento visto até aqui, inicialmente, não nos remete ao conhecimento da realidade primária da condição humana e sua atual antítese conflitante com a perfeita criação e estado atual do indivíduo com relação ao pecado, sendo esse conhecimento apenas realizado pela operação do Espírito Santo no homem por meio da regeneração.

Nesse contexto, o pecado mancha o entendimento perfeito de Deus e como resultado a esse fato, somos indivíduos com um sentido primário totalmente antropológico sobre um prisma pessoal desgarrado das verdades absolutas, apesar de todo conflito interno causado por esse fato.

A matriz primeira faz relação ao conhecimento inato que dispomos de Deus e sua verdade pré-queda, já na pós-queda por causa da ação do pecado, tornamos esse conhecimento, uma visão distorcida da realidade, afetando principalmente as motivações básicas provenientes do coração e na formulação da cultura dentro dos contextos dos mandatos de Deus na criação, o cultural, social e espiritual.

A segunda matriz da cosmovisão, tem relação direta com a experiência pessoal do indivíduo em contato com o mundo, sua cultura e influências. Sabemos que o homem desde seu nascimento já possui certo conhecimento de Deus, todavia, esse conhecimento por causa do pecado possui uma mancha e em conjunto com a experiência individual quer seja religiosa ou não, passa a culminar na formação dos conceitos formativos de cosmovisão em resposta a sua experiência social. Nessa relação do indivíduo com o mundo, com o passar do tempo, muito dessas percepções são alteradas, acrescentadas, potencializadas ou diminuídas quando processadas, mas, todas servirão como base para o resultado final do pensamento e pressupostos da realidade pessoal, quer verdadeiras ou não.

Essa percepção e experiência do mundo (externo), forma a segunda base fundamental para os pressupostos da realidade individual, levando-nos a desenvolver respostas e atos das mais variadas perspectivas dessa realidade, mesmo que conflitantes com os agentes externos sociais de uma cultura.

Neste ponto, é necessário compreender de onde provem a motivação do homem e para tanto, o conceito Bíblico de “coração” no entendimento da dinâmica interna de uma cosmovisão pessoal é algo de suma importância para a compreensão da sua relação com a profundidade do contexto religioso no qual a Escritura ensina que o coração do homem natural já possui o conhecimento de Deus. A Escritura trata esse conhecimento, como centralizado no coração pois é de onde provém todas as motivações como pode ser observado em Romanos 1:21, o apóstolo Paulo ensina que provém do coração a disposição do homem para o pecado mesmo tendo o conhecimento de Deus e tornaram a verdade em apostasia: “porquanto, tendo conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças; antes, se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração insensato”. Assim como a descrição que Jesus faz de onde parte as intenções do coração pecaminoso em Marcos 7:21-23 :  Porque de dentro, do coração dos homens, é que procedem os maus desígnios, a prostituição, os furtos, os homicídios, os adultérios,  a avareza, as malícias, o dolo, a lascívia, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a loucura.  Ora, todos estes males vêm de dentro e contaminam o homemO coração desta forma, é a representação do eixo formador das percepções do homem e de onde parte a centralidade da motivação quanto a relação com seu criador, com seu próximo e com o mundo. Desta forma, não há neutralidade no coração, sua disposição pode ser tanto positiva ou negativa, mas nunca neutra. É no coração que emana as mais profundas motivações nas quais nem todas são externalizadas ao mundo, sendo desta forma inacessível em sua totalidade ao homem, mas somente a Deus que verdadeiramente o conhece. Em Lucas 16:15, o texto demonstra que Deus conhece os corações dos homens  “Ele, no entanto, lhes admoestou: “Vós sois os que justificais a vós mesmos à vista das pessoas, todavia Deus conhece o vosso coração; pois àquilo que as pessoas atribuem grande valor é detestável aos olhos de Deus. A Lei, os Profetas e o Reino”.

Por esse motivo o processo de formação da cosmovisão, é internalizada individualmente no coração de cada agente, sendo de todas as formas filtradas pelo crivo do contexto religioso, quer seja para com uma cosmovisão religada a Deus ou apóstata.

Nesse processo, a interação diária direta e indireta com os indivíduos e agentes culturais faz com que a cosmovisão pessoal esteja em constante remodelação. A participação dos indivíduos contribuem para o conjunto de informações e verificação dos pressupostos na formação da percepção que influenciam correlatamente com o resultado da cosmovisão. Os indivíduos que compõem o grupo que contribuem com as primeiras informações para essa formação está centrado no contexto da família. É por meio deste grupo que obtemos os primeiros contatos externos com o mundo e por meio dele, influenciamos e somos influenciados na cooperação e formação da troca de informação compartilhada em sincronismo com indivíduos externos a esse processo. Nesse contexto há uma necessidade de troca contínua entre os agentes familiares que contribuem conforme o sua interação com o exterior, tendo como causa um incessante intercâmbio de informações, valores, preceitos, etc. Em contrapartida, esse intercâmbio de informações no âmbito familiar parte agora, para um compartilhamento externo, fora dos agentes familiares e passa a receber uma macro influência, compartilhada com as informações recebidas dos agentes externos como a igreja, a escola, o contexto cultural, econômico, midiático, das leis, etc.

Essa enxurrada de informações tornam-se importantes no processo de formação da ideia inicialmente teórica, ao passo que normalmente são interlocutoras dentro do âmbito intrafamiliar e se expande para o âmbito extrafamiliar colaborando com o sincronismo formador da identidade de um grupo, região ou sociedade e até um povo. É neste ponto, quando a influência da cosmovisão ultrapassa barreiras de uma cultura regional e passa a influenciar outras sociedades, povos e gerações é que completa um ciclo macro cultural de compartilhamento da cosmovisão. Como resultado, temos a influência de uma geração inter-relacionada em diversas culturas. Como exemplo, podemos citar a Reforma Protestante que influenciou os Puritanos (e tantos outros após sua geração) que subsequentemente, tem influenciado a cosmovisão de cristãos Reformados até nossos dias. Já num contexto familiar onde há uma comunicação normalmente síncrona que interage com outras cosmovisões externas, tornando-as com uma relação ativa no processo de receber, transformar e compartilhar no aspecto social mais amplo.

Num contexto mais amplo da família, temos a estrutura de plausibilidade que diz respeito a correlação da cosmovisão particular com a macro cosmovisão, ou seja, a cosmovisão particular é passada pelo crivo da cosmovisão social (num contexto macrossocial) e nesse aspecto, pontos são enxertados em ambos os contextos, sendo muito comum a religião incorporar parte da cultura atual.

Como exemplo a ser citado deste contexto, temos a atual falta de comprometimento de alguns ditos cristãos com a Escritura, e como resultado, a aceitação da cosmovisão cristã é cada vez mais repudiada pela sociedade.

Os perigos da más cosmovisões

Dentro o contexto dos perigos na formação da cosmovisão Cristã, temos que uma cosmovisão alienada, que parte do pressuposto de que nada que provem do aspecto cultural exterior atual do mundo é bom ou verdadeiro, sendo necessário o desenvolvimento de uma subcultura unicamente dentro do contexto de uma comunidade, assim desenvolvendo sua própria cultura, estar-se-iam totalmente destituídos da influência cultural das sociedades e da cultura global. Como exemplo, temos as comunidades Amish, que hoje somam quase 200mil adeptos.

Já a cosmovisão secularizada no outro extremo, subestima o conceito do pecado e normalmente generaliza o contexto da Bíblia e seus pressupostos, sem passar pelo crivo da crítica como avaliação da cultura, resultando num indivíduo em conformidade com a cultura mundana e suas apostasias. Um exemplo claro dessa forma de cosmovisão, são as igrejas neopentecostais e a busca pela prosperidade como doutrina principal.

Partindo desses pontos, a atitude crítica, é em última análise, a forma como projetar-se no meio da cultura sócio global sem se contaminar com sua influência. Para tanto, faz-se importante para uma correta atitude crítica, que o Cristão adote um equilíbrio entre a aceitação e o ceticismo, por isso é necessário conhecer todos os aspectos envolvidos de uma cultura, e por meio de uma atitude crítica ou seja, dos recursos da critica como testar, julgar, discernir, examinar, inquirir, escrutinar, avaliar, etc., para absorver e desenvolver uma cosmovisão sadia, na qual, o processo de uma análise crítica teorreferente é o ponto fundamental como o meio para percepção de uma cosmovisão que só pode ser efetuada a partir do indivíduo regenerado por Deus. É nesse ponto que uma metodologia de análise crítica biblicamente orientada fará com que o Cristão consiga discernir entre todo o contexto cultural, principalmente dentro do âmbito profissional, para que sejamos agentes de transformação atendendo ao mandato cultural de Deus. Avaliar a cultura e seus sistemas de pensamentos sobre o filtro das verdades bíblicas, tem como resultado a análise de pontos que em numerosas vezes, “parecem” conter verdades, mas estão normalmente dentro de um contexto apóstata. Sendo assim, o comprometimento do indivíduo e sua centralidade na escritura, tem papel único nos seus pressupostos, no seu sistema de pensamento e nos resultados de sua análise.

Para que possamos verificar se nossas motivações estão de acordo com o que a Palavra de Deus nos revela, precisamos do uso da autorreflexão. A verdadeira autorreflexão tem seu ponto de partida na regeneração, pois nesse momento o homem passa a ter o conhecimento sobre sua atual posição e realidade na cosmovisão Cristã. Sua condição depravada, manchada pelo pecado, deve ser o ponto de partida da autorreflexão e neste contexto ela se torna radical pois deve estar paralelamente sendo reavaliada conforme o que a Escritura demonstra sendo essa ação realizada e potencializada pela ação do Espírito Santo. No processo, deve-se ter em mente que a correta forma de aplicação do sentido para se obter o resultado desejado, conforme Fabiano de Almeida Oliveira (2008)[4] explica: “a autorreflexão é uma constante autoanálise, ou sondagem interna das reais e profundas motivações e pressupostos religiosos que estariam na base de nosso pensar, desejar, agir e falar “. A dependência de Deus no processo é a premissa dos agentes da análise, por isso a comunhão é algo extremamente necessário para a análise teorreferente. Sem a autorreflexão radical é impossível desenvolvermos uma análise teorreferente, uma vez que uma está diretamente relacionada a outra, por sua dependência quanto as verdades expressas na Escritura.

Para não desenvolvermos uma cosmovisão diretamente relacionada com os conceitos de alienação e secularização, devemos adotar como ponto de partida a ideia dos conceitos da estrutura e direção. Através do mandato cultural, Deus nos proclama a desenvolver e se envolver na cultura. Estrutura então conforme Fabiano de Almeida Oliveira (2008) é o “potencial cultural ordenado por Deus e as leis que o regem”[5]. Todas as leis que regem a natureza em sua ordem física, são exemplos da estrutura que operam sobre ela. A própria ciência criacionista necessita de uma estrutura complexa para coordenar suas pesquisas, e quando as desenvolvem, apenas conseguem organizar, o que na verdade não é nada novo para as leis da natureza, apenas para descoberta humana. Desta forma, o homem não cria uma nova lei, mas descobre a estrutura já criada. Essas leis preordenadas e criadas por Deus nos remete ao conceito de estrutura, não só no âmbito da ciência ou física, mas em todos os aspectos da vida por exemplo, nosso proceder perante as leis jurídicas conforme demonstrado em Romanos 13:1-2, se aplica também ao contexto da cultura. Deus estabelece por exemplo a estrutura familiar entre o homem e a mulher, a sua estrutura no contexto da Escritura é o eixo central e qualquer aspecto fora deste contexto torna-se algo possivelmente problemático no entorno familiar.

Uma vez que conseguimos compreender as estruturas que envolvem as leis gerais que regem a vida e suas potencialidades, é preciso de um agente para operá-la. É nesse ponto que mandato cultural atua, sendo nosso papel na direção correta para atingir suas responsabilidades ao explorá-las.

No contexto de estrutura e direção, são relacionadas no ponto que a direção utilizada para exploração da estrutura, seu potencial deve estar centralizado no que Deus revela, mas por causa da mancha do pecado, naturalmente trocamos a direção da estrutura o que acarreta numa cultura deformada, como em diversos pontos da nossa atual cultura globalizada.

Para finalizar, a CFW em seu capítulo primeiro item VI nos ensina sobre a Escritura e a verdadeira cosmovisão Cristã:

“Todo o conselho de Deus concernente a todas as coisas necessárias para a glória dele e para a salvação, fé e vida do homem, ou é expressamente declarado na Escritura ou pode ser lógica e claramente deduzido dela. À Escritura nada se acrescentará em tempo algum, nem por novas revelações do Espírito, nem por tradições dos homens; reconhecemos, entretanto, ser necessária a íntima iluminação do Espírito de Deus para a salvadora compreensão das coisas reveladas na palavra, e que há algumas circunstâncias, quanto ao culto de Deus e ao governo da Igreja, comum às ações e sociedades humanas, as quais têm de ser ordenadas pela luz da natureza e pela prudência cristã, segundo as regras gerais da palavra, que sempre devem ser observadas”. (CFW. CAP. I, parágrafo VI.)

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[1] OLIVEIRA, Fabiano de Almeida. REFLEXÕES CRÍTICAS SOBRE WELTANSCHAUUNG: UMA ANÁLISE DO PROCESSO DE FORMAÇÃO E COMPARTILHAMENTO DE COSMOVISÕES NUMA PERSPECTIVA TEOREFERENTE. FIDES REFORMATA XIII, Nº 1 (2008): 31-52. Utilizado como texto base para o artigo.

[2]TOKASHIKI, Ewerton Barcelos. A Nossa Cosmovisão. Disponível em: . Acesso em: 10 set. 2017.

[3] COSTA, Hermisten Maia Pereira da. A ENGANOSA PROSPERIDADE DOS ÍMPIOS À LUZ DO SALMO 10: UMA REFLEXÃO DEVOCIONAL. FIDES REFORMATA XX, Nº 1 (2015): 45-60.

[4] Ibid.

[5] Ibid.



Sobre o autor: Daniel L. Petersen

Gaúcho de São Leopoldo, casado com Liviane Garcia a mais de 12 anos. Pai das gêmeas Júlia e Rebeca, Cristão Reformado, membro da Igreja Presbiteriana Aliança Reformada. Apaixonado por aprender e ensinar. Graduado em Gestão de Tecnologia da Informação pela Faculdade UNIP Porto Velho e Licenciatura em Geografia pelo UniBF. Na áre de Tecnologia: Pós Graduado em Redes e Segurança da Informação pela Faculdade Porto Velho e Eng. de Software pela IPB (Instituto Pedagógico Brasileiro). Na área da Educação: Pós Graduado pelo Instituto Pedagógico Brasileiro nos cursos de Metodologia do Ensino da História e da Geografia, História do Brasil, Tutoria em Educação a Distância e Ensino Religioso. Na área Teológica: Pós Graduado no Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper em Estudos Teológicos. Participou como professor nas classes de Catecúmenos, Panorama do Novo Testamento e Cosmovisão Cristã na EBDF na 1ª IPB Porto Velho. Atualmente Profº da Classe de Catecúmenos na Igreja Local.

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Última atualização: 12/05/2018 23:14:18



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