Abraham Kuyper
Por: Juan Bosch Navarro
Nascido em Maasluis, Rotterdam, em 29 de Outubro de 1837, e falecido em 8 de Novembro de 1920. Era um teólogo reformado, Doutor em Teologia pela Universidade de Leiden (1855-1862). Ministro ordenado da Igreja Reformada Holandesa, e pastor em Beest (1863-1868), Utrecht (1868-1870) e em Amsterdam (1870-1874). Era editor do diário De Standaard [1](1872-1876 e 1878-1919) e do semanário De Heraut [2](1878-1919). Eleito membro da Segunda Câmara do Parlamento Holandês em 1874, 1894, 1901 e 1908. Fundador da Universidade Livre de Amsterdam (1880). Professor de Teologia na Universidade Livre de Amsterdam (1880-1908). Líder do movimento da renovação eclesiástica e da secessão (1886), fundando em 1886 a Christelijke Gereformeerde Kerken.[3] Em 1889 participa das Stone Lectures da Universidade de Princeton, que dá origem ao seu livro Calvinismo.[4] Tornou-se Primeiro Ministro da Holanda (1901-1905), Ministro de Estado no Governo Holandês (1908-1912). Eleito membro da Primeira Câmara do Parlamento Holandês (1913). Retirado da vida ativa, morre em La Haya em 1920.
Abraham Kuyper é uma figura fundamental nos Países Baixos, durante o último terço do século XIX e as duas primeiras décadas do XX. Homem polivalente, a sua biografia abrange cinco campos nos quais ele sobressai de maneira notável: teologia, educação em nível universitário, reforma eclesiástica, periodismo e política nacional. Educado no seio de uma família clerical dentro da tendência liberal da Igreja Nacional Reformada Holandesa e, tendo estudado na Universidade de Leyden, onde obteve o Doutorado em Teologia (1862) num ambiente teológico igualmente liberal, é ordenado pastor em 1865. Kuyper experimenta uma verdadeira “conversão” já durante os seus primeiros anos como ministro de uma pequena paróquia, cuja congregação professava um sólido calvinismo da velha escola, que o conduz ao calvinismo mais estrito, deixando pra trás a teologia aprendida na Universidade de Leyden.
O “neocalvinismo” de Kuyper se sustenta num núcleo capital: a soberania divina sobre todas as “esferas” da vida e que abrange, logicamente, não somente os aspectos propriamente eclesiásticos, mas também aqueles outros que foram abandonados da área privada, ou pública pelo liberalismo teológico. Portanto, a família, como todo o referente às instituições laicas da “res publica”, a política, o trabalho e a economia, a educação e a universidade, as artes e a imprensa, etc., são esferas que devem voltar para estarem sob a soberania divina, o que explica, por outro lado, o interesse máximo de Kuyper em intervir em todos os assuntos que concernem ao governo do mundo. Fomenta a criação da imprensa escrita, intervém de maneira direta na alta política do país, cria a Universidade Livre de Amsterdam (1880). Entretanto, o arminianismo e o deísmo que haviam se introduzido na Igreja Nacional Reformada Holandesa a muito tempo atrás, se encontra em franca oposição ao liberalismo teológico e ao legado da Revolução Francesa que se respirava nos ambientes cultos da Holanda, detestando no âmbito político-social os movimentos revolucionários socialistas e comunistas. Percebe-se a necessidade imperiosa de se criar um forte movimento de renovação eclesiástica que concluirá com a fundação da Igreja Reformada Livre (1886).
Tão grande obra, com múltiplas dimensões, cuja influência seria sentida em todos os níveis da sociedade holandesa com grande eficácia. Trata-se para Kuyper de fazer presente na vida pública a contribuição e os valores cristãos desde a compreensão estritamente calvinista. Para o teólogo holandês o calvinismo é muito mais que uma tradição confessional ou eclesiástica; na realidade é uma cosmovisão (Weltanschauung), uma compreensão da vida e do mundo, um sistema de pensamento e de vida oposto radicalmente ao modernismo reinante. Kuyper pressentindo que o problema e a sua solução dependem da opção que se tome diante desta alternativa: ou aceitar a idolatria do homem e do Estado que exercem o seu atrativo em cada rincão da existência, ou aceitar a soberania divina que deve exercer nas esferas da família e da escola, sem as mediações do Estado ou da Igreja. A acusação de ele queria se passar como restaurador da velha ideia da teocracia não tem fundamento, pois se bem que Kuyper advogará sempre pela recristianisação da nação, nunca o fará desejando ou pedindo privilégios eclesiásticos, senão que fomentando a atividade voluntária dos cristãos nas Igrejas Livres e em diferentes organizações de inspiração cristã. Para isto propôs – desde suas oposições políticas – um sistema de educação que respeitava a pluralidade e diversidade religiosa.
Aquela tese da soberania divina sobre as “esferas” da vida, todavia, não significava que Kuyper elas se confundissem sob o imperativo divino. Mas que cada uma delas – a família, a economia, a política, a vida universitária, etc. – tem o seu próprio âmbito, objetivos e identidade que devem respeitar-se escrupulosamente, pois estão fixadas por Deus, desde o princípio. E isto, de tal maneira, que a confusão e indiscriminada mistura destas esferas, significa a transgressão das leis estabelecidas pelo próprio Deus. Assim, se faz necessário uma atenta supervisão para que não se transgrida tais espaços. Kuyper crê que ao Estado corresponde manter especial vigilância, de modo a salvaguardar a identidade de cada âmbito. Kuyper justifica este ponto de vista ao valorizar a importância que cada “esfera” tem para o desenvolvimento comum da humanidade, dando especial ênfase às esferas intermediárias – família e Igreja – porque constituem como o muro de contenção dos dois perigos que espreitam a sociedade devido à presença do pecado: por uma parte, a tendência ao individualismo que resulta no isolamento; por outro lado, as tendências globalizantes e totalitárias que tolera o Estado moderno. E é que apesar do papel de vigilância que na prática Kuyper concede ao Estado, é consciente da necessidade de moderar o poder do mesmo. Como bom calvinista reconhece que toda instituição, inclusive o Estado, está sujeita à penetrante realidade do pecado. Há que se dizer, todavia, que Kuyper não chegou até o extremo de desconectar completamente cada um dos âmbitos ou esferas da vida. São parte integrante da uma realidade criada cuja unidade interna se compreende, graças à visão do propósito do criador, unificante e redentor de Deus manifesto nas Escrituras Sagradas. A partir daí, dificilmente poderia recorrer-se a Kuyper para justificar ao sistema sul-africano do apartheid. Nas conferências pronunciadas na Universidade de Princeton (1898) – durante o ciclo das famosas “Stone Lectures” – e dissertando sobre o calvinismo, Kuyper afirmaria textualmente: “a mescla de sangue sempre contribuiu para uma grande prosperidade (…) A história ensina que as nações onde o calvinismo floresceu mais amplamente revela esta mesma mescla de raças.”
As palestras feitas sobre a obra teológica de Kuyper são plurais. Para alguns foi um estrito calvinista, inclusive em sua forma eclesiástica; E. Troeltsch opina que intentou modernizar a Calvino; também acredita-se que o seu afastamento do reformador de Genebra se deve às teses de Kuyper sobre a pluriformidade da Igreja e sobre a tolerância política; finalmente, para os conservadores, o neocalvinismo propugnado pelo teólogo holandês nada tem a ver com Calvino. Todavia, o veredicto sobre a obra em conjunto de Abraham Kuyper está recolhido num texto pronunciado durante a celebração nacional em honra de Kuyper, em seus septuagésimo quinto ano de aniversário: “A história dos Países Baixos, na Igreja, no Estado, na sociedade, na imprensa, na Escola e nas Ciências dos últimos quarenta anos, não poderia escrever-se sem mencionar o seu nome em cada uma de suas páginas, já que durante este período a biografia do Dr. Kuyper em boa medida, é a história da Holanda.”
Extraído de Juan B. Navarro, ed., Diccionario de Teólogos/as Contemporáneos (Burgos, Editorial Monte Carmelo, 2004), pp. 591-594.
Traduzido por Rev. Ewerton B. Tokashiki
NOTAS:
[1] Tradução: “O Estandarte”. Nota do tradutor.
[2] Tradução: “O Arauto”. Nota do tradutor.
[3] Tradução: “Igreja Cristã Reformada”. Nota do tradutor.
[4] Publicado pela Editora Cultura Cristã.
Sobre o autor: Juan Bosch Navarro