O que significa subscrever os Padrões de Westminster?
Por: G.I. Williamson
Ninguém pode ser um ministro, presbítero regente ou diácono na Igreja Presbiteriana Ortodoxa (OPC, na sigla em inglês) sem, primeiro, responder afirmativamente à seguinte pergunta:
“Você sinceramente recebe e adota a Confissão de Fé e os Catecismos desta Igreja como contendo o sistema de doutrina ensinado nas Sagradas Escrituras?”
Todos estamos familiarizados com este voto, mas o que ele significa? Segundo Charles Hodge, nossos votos têm sido entendidos de três diferentes maneiras na história do presbiterianismo. “Primeiro”, diz Hodge, “para alguns eles significam que cada proposição contida na Confissão de fé se inclui na profissão feita na ordenação. Segundo, outros dizem que eles significam apenas aquilo a que as palavras se referem. O que se adota é o ‘sistema de doutrina’. O sistema das Igrejas Reformadas é um esquema de doutrina conhecido e admitido, e é esse esquema, nem mais nem menos, que nós professamos adotar. A terceira visão do assunto é esta: por sistema de doutrina contido na Confissão deve-se entender as doutrinas essenciais do cristianismo, e nada mais” (ênfase do editor).
I
A primeira, diz Hodge, nunca foi a visão sequer entre os presbiterianos da Velha Escola. Sempre houve liberdade para se afirmar o pensamento de que esta ou aquela palavra (ou frase) não seja a melhor forma de expressar o ensino bíblico. E, com isso, estou de pleno acordo. Para explicar por que, quero citar dois exemplos. (1) No capítulo VII, seção 4, da Confissão de Westminster, lemos que “este pacto da graça é frequentemente apresentado nas Escrituras pelo nome de testamento […]”. O problema é que, embora tudo o mais nesta afirmação seja verdade, eu não penso que a palavra “frequentemente” seja precisa. Será então que não tenho a liberdade de asseverar esse fato sem que alguém me acuse de discordar da doutrina do pacto? (2) Ou tome a afirmação do capítulo XXI, seção 8, no qual a Confissão explica como o Dia do Senhor deve ser santificado. Aqui somos informados de que os homens não apenas estão obrigados a guardar “durante todo o dia um santo descansos das suas obras, palavras e pensamentos a respeito de seus empregos seculares e de suas recreações, mas também ocupam todo o tempo em exercícios públicos e particulares de culto [a Deus] […]”. O meu problema aqui não é discordar da doutrina, mas pensar que esta não seja a melhor forma de afirmá-la. Eu não penso que nós possamos nos envolver com empregos ou recreações “seculares” em qualquer dia da semana mais do que no Dia do Senhor. Penso que, aqui, um termo melhor seria “diários” ou “cotidianos”. O outro termo que eu gostaria de poder ver aperfeiçoado seria a palavra “exercícios”. Essa palavra me parece invocar a ideia de um tipo de espiritualidade mecanizada, como passar o domingo inteiro lendo a Bíblia ou orando. Em alguns momentos, penso, a melhor coisa que eu posso fazer num domingo é tirar um breve cochilo (o que dificilmente poderia ser chamado de um exercício)!
Poderíamos dar outros exemplos. Mas o meu ponto é que o texto da Confissão não é perfeito como o texto inspirado da Bíblia o é. Então, tem de haver o direito de discordar de uma expressão específica aqui e acolá, contanto que a discordância de fato seja com o fraseado, não com as doutrinas.
II
A outra visão à qual Charles Hodge se opôs foi o que se pode chamar de “visão da substância da doutrina”. E, também aqui, estou de pleno acordo com ele. Se há uma coisa que eu aprendi na história recente da igreja, é a devastação que essa perspectiva trouxe sobre as igrejas presbiterianas ao redor do mundo.
Em 1879, a Igreja Presbiteriana Unida na Escócia inventou o que ficou conhecido como Ato Declaratório (ou Resolução Declaratória). Outras igrejas rapidamente seguiram o exemplo (a Igreja Livre em 1892 e a Igreja Presbiteriana na Nova Zelândia (PCNZ) em 1901). Por essa resolução, a PCNZ estabeleceu que “a diversidade de opinião é admitida naqueles pontos da Confissão que não envolvem a substância da fé reformada, sendo da igreja a competência privativa para determinar que pontos se enquadram nessa descrição”. Qualquer que tenha sido a intenção de se adotar esse ato, como observou o Rev. Jack Sawyer, “o notório efeito histórico desse ato foi possibilitar que os concílios da igreja admitissem desvios cada vez mais sérios das proposições doutrinárias expressas na Confissão de Westminster, até o ponto em que a Confissão de Westminster, na verdade, deixou de ter qualquer autoridade vinculante como um padrão subordinado da igreja”.[1]
Como o próprio Dr. Hodge afirmou, “a substância da doutrina não é a doutrina, assim como a substância do homem não é o homem”. Dizer “Eu adoto a Confissão de Fé e os Catecismos desta igreja como contendo o sistema de doutrina ensinado nas Escrituras” é uma coisa. Dizer “Eu adoto a substância do sistema de doutrina contido nos ensinos da Confissão de Fé e dos Catecismos” é outra coisa.
O erro fatal dessa visão é que não existe nenhuma definição do que seja a substância do sistema de doutrina. Nós sabemos o que é o sistema de doutrina, porque ele está claramente (conquanto não perfeitamente) expresso nos Padrões de Westminster. Mas ninguém sabe o que significa falar numa “substância” dessa doutrina.
III
Então, segundo o Dr. Hodge, a única visão aceitável é a adoção da Confissão de Fé e dos Catecismos como contendo o sistema de doutrina ensinado na Bíblia. E, a esse respeito, o Dr. Hodge diz: “o candidato não tem nenhum direito de atribuir o seu próprio sentido às palavras que lhe são propostas. Ele não tem nenhum direito de escolher, de todos os significados possíveis dessas palavras, o sentido particular que se amolde aos seus propósitos, ou aquele que ele acredite poder salvar sua consciência. É bem sabido que esse caminho tem sido abertamente defendido, não apenas pelos jesuítas, mas por homens desta geração, neste país e na Europa. Diz-se que a ‘química do pensamento’ pode tornar iguais todos os credos. Os homens se orgulham em afirmar que poderiam subscrever qualquer símbolo de fé ou credo. Para um homem num balão a terra parece uma planície, perdendo-se de vista, na distância, todas as irregularidades de sua superfície. E eis aqui uma elevação filosófica a partir da qual todas as formas de crença humana parecem indistintas. Elas se sublimam em fórmulas genéricas, as quais incluem tudo e nada distinguem. O Professor Newman, pouco antes de sua apostasia declarada, publicou um tratado no qual defendia seu direito de permanecer na Igreja da Inglaterra, mesmo sustentando as doutrinas da Igreja de Roma. Ele reivindicava subscrever os Trinta e Nove Artigos em um “sentido não-natural”; isto é, no sentido que ele próprio escolhia atribuir às palavras. Isso é uma afronta ao senso comum e à honestidade comum aos homens. Não é preciso arrazoar sobre a matéria. A torpeza de tal princípio é vista com muito mais clareza intuitivamente do que discursivamente”.
“São dois os princípios que, pelo consenso comum de todos os homens honestos, determinam a interpretação de juramentos e profissões de fé: primeiro, o significado natural e histórico das palavras; e, segundo, o animus imponentis, isto é, a intenção da parte que impõe o juramento ou exige a profissão. Portanto, as palavras ‘sistema de doutrina ensinado nas Sagradas Escrituras’ devem ser tomadas em seu sentido natural e histórico. Um homem não tem a liberdade de entender as palavras ‘Sagradas Escrituras’ como significando todos os livros escritos por homens santos, pois, embora tal interpretação possa estar de acordo com a significação das palavras, ela é inconsistente com o sentido histórico da frase. Tampouco ele as pode entender como se incluíssem os apócrifos, como fariam os romanistas, porquanto as palavras usadas por uma igreja protestante devem ser tomadas num sentido protestante. Também não pode o candidato dizer que entende por “sistema de doutrina” o cristianismo em oposição ao islamismo, nem o protestantismo em oposição ao romanismo, nem o evangelicalismo em contraste com a teologia das igrejas reformadas (isto é, calvinistas), porque as palavras usadas por uma igreja reformada devem ser entendidas no sentido que aquela igreja, sabidamente, lhes atribui. Se um homem professa receber a doutrina da Trindade, a palavra deve ser tomada em seu sentido cristão; o candidato não pode substituí-lo por aquela ideia sabeliana de uma trindade modal, nem pela tricotomia filosófica do panteísmo. O mesmo pode ser dito de todas as demais expressões que possuem um significado histórico fixo. Mais uma vez, no que se refere ao animus imponentis, deve-se entender não a mente ou intenção do bispo que ordena, na Igreja Episcopal, nem do presbitério que ordena, na Igreja Presbiteriana; e sim a mente ou intenção da Igreja, da qual o bispo ou presbitério é o órgão ou agente. Ainda que um bispo da Igreja da Inglaterra, simpatizante da doutrina romanista, atribuísse um significado “não-natural” aos Trinta e Nove Artigos, o sacerdote que os subscrevesse em tal sentido não seria inocente do crime de perjúrio moral; e ainda que um presbitério atribuísse um significado totalmente errôneo à Confissão de Westminster, isso não justificaria que um candidato à ordenação adotasse aquele sentido. A Confissão deve ser adotada no sentido da Igreja, a cujo serviço o ministro, em virtude dessa adoção, é recebido. Esses são princípios básicos de honestidade, e nós presumimos que eles são universalmente aceitos, ao menos no que se refere à nossa Igreja”.[2]
A história presbiteriana e reformada demonstra o fato de que não existe salvaguarda absoluta em nenhuma forma de subscrição. Isso não significa que nenhum aperfeiçoamento seja possível. Quando as Igrejas Reformadas da Nova Zelândia adotaram a Confissão de Fé de Westminster ao lado das Três Formas de Unidade, elas também modificaram o texto da fórmula de subscrição. A frase “todos os pontos de doutrina” foi substituída por “todo o sistema de doutrina”. E a minha opinião é que esse foi um modesto aperfeiçoamento. Mas, seja como for, permanece o fato de que nada protegerá a igreja do erro senão a diligência da parte daqueles que administram esse juramento.
Em outras palavras, os homens que já são ministros e presbíteros regentes devem ser diligentes e zelosos ao examinarem outros homens que aspirem aos ofícios bíblicos. Eles devem fazer isso a fim de descobrir, com a maior clareza possível, o que tais homens de fato querem dizer ao afirmar que sinceramente recebem e adotam a Confissão de Fé e os Catecismos como expressões fiéis (conquanto não infalíveis) do ensino bíblico. Na minha opinião, é isso – mais do que tudo – que tem permitido à Igreja Presbiteriana Ortodoxa continuar alinhada com aqueles homens que tanto sacrificaram, em 1936, por crerem nessas doutrinas.
Nós, como oficiais da OPC, precisamos ser homens de integridade. Precisamos examinar nossos próprios corações diante do Senhor, a fim de nos certificarmos de que somos fieis a nossos compromissos. E um desses compromissos é o dever de verificar se aqueles a quem ordenamos dão evidências convincentes de sua plena concordância com o sistema de doutrina contido nos Padrões de Westminster.
NOTAS:
[1] D. G. Vanderpyyl, Trust and Obey: A forty year history of the Reformed Churches of New Zealand, p. 453.
[2] Todas as citações de Hodge são da sua obra Church Polity, recentemente republicada por Westminster Discount Books of Scarsdale, N.Y..
“… o credo é o vínculo de comunhão… e um instrumento para a preservação tanto da pureza como da paz. Os que subscrevem ao credo se obrigam a devotar-se ao seu ensino, ao mesmo tempo em que desfrutam dos privilégios decorrentes daquela subscrição e da comunhão que ela promove. Eles devem renunciar tais privilégios tão logo não sejam mais capazes de confessar os princípios expressos no credo.” (John Murray)
Texto da Revista Ordained Servant, Vol. 13, número 1, Janeiro de 2004, pp. 8-10 – https://opc.org/OS/pdf/OSV13N1.pdf
Tradução: Pb. Vinícius Silva Pimentel
Revisão Rev. Ewerton B. Tokashiki
Fonte: Seminário JMC
Sobre o autor: G.I. Williamson
O Rev. Williamson foi ordenado em 1 de junho de 1952, na Igreja UP de Westminster, em Des Moines, IA, e logo se tornou pastor da igreja UP, em Fall River, MA.