A semântica teológica
Por: Ewerton B. Tokashiki
Quando nos lançamos à tarefa de estudar teologia precisamos perguntar se a linguagem humana é adequada para expressar corretamente os conceitos de Deus? Que categoria de linguagem deve-se usar? Respondendo estas perguntas Gordon H. Clark nos declara que o debate sobre se a linguagem é adequada para expressar a verdade de Deus é uma questão falsa. As palavras são meros símbolos ou sinais. Qualquer sinal seria adequado. A questão real é: um homem tem a idéia para ser simbolizada? Se podemos pensar sobre Deus, então ele podemos usar o som Deus, God, Theos, ou Elohim. A palavra não faz nenhuma diferença, e o sinal é ipso facto literal e adequado.[1]
Lançando mais luz sobre o assunto Vincent Cheung observa que quanto à linguagem positiva e negativa sobre Deus, há aqueles que insistem que pelo menos algumas coisas sobre Deus só podem ser expressas em linguagem negativa. De qualquer modo, até agora me parece que posso facilmente tornar em linguagem positiva qualquer exemplo que seja dado em favor dessa afirmação.[2]
Será que, quando usamos as mesmas palavras, estamos falando a mesma linguagem? Esta pergunta pode bem ser esclarecida pelo uso teológico da palavra revelação. Independentemente do adjetivo que acrescentarmos ao verbete revelação (geral ou especial) teremos que perguntar o que este, ou aquele autor quer dizer com isto. Bernard Ramm criticando os teólogos existencialistas e os pós-bultmanianos observa que embora, tais escritores fizessem da revelação algo “existencial”, “dialógico”, ou “de encontro”, ao invés de doutrinário ou proposicional, pelo menos reconhecem que se a revelação há de ser um conceito teológico sólido, deve ter sido dada em certo sentido, ou seja: teve em Deus a sua origem.[3]
Mesmo entre aqueles que se apresentam como “conservadores” que crêem na inerrância, mas negam a doutrina da suficiência das Escrituras encontramos uma concepção doutrinária da revelação muito similar ao da neo-ortodoxia. O teólogo pentecostal Jack Deere faz uma bizarra dicotomia entre a “voz de Deus” e a Escritura Sagrada. Antes de se tornar pentecostal ele reconhece que a única parte da linguagem do Espírito Santo que eu podia entender era o texto escrito da Bíblia. Eu até duvidava de quanto do meu entendimento era simplesmente interpretação tradicional a mim transmitida através dos anos por vários professores e quanto era realmente fruto da iluminação do Espírito Santo.[4]
Em outro lugar, Deere declara abertamente que a revelação além de ser distinta das Escrituras, não é algo que necessariamente seja proposicional. Segundo este autor é possível que “o Senhor lhe conceda uma revelação verdadeira sobre a igreja ou sobre alguém que você conheça. Talvez a tenha em sua meditação nas Escrituras, num sonho, numa visão ou numa impressão.”[5] Fica claro que para Deere a revelação especial que Deus nos dá não é a Escritura, nem mesmo necessariamente ela é proposicional ou doutrinária. É algo que pode ser um “encontro subjetivo” ou uma “impressão psicológica”. Nisto não há diferença entre a opinião de Jack Deere e os teólogos existencialistas, ou barthianos. Aqui o Pentecostalismo e a neo-ortodoxia andam de mãos dadas!
Não podemos ignorar a sutileza semântica da neo-ortodoxia. Paul Tillich é um exemplo perfeito do que acontece quando existe a falta de um compromisso com perspectiva conservadora sobre as Escrituras. Vernon C. Grounds analisando a teologia de Tillich comenta que seja o que mais se possa dizer acerca do conceito de Deus sustentado por Tillich, é claramente um repúdio daquilo que aquele nome historicamente tem denotado. Tillich, que declara que ‘a atitude anti-sobrenatural’ é fundamental para a totalidade do seu pensamento, dedica-se inequivocamente à destruição do conceito tradicional.[6]
(...) uma realização intelectual impressionante, esta correlação da teologia e da filosofia nos dá um conceito de Deus que não tem relacionamento senão só por nome com o Deus da Bíblia: o Deus de Tillich é um Deus a quem não podemos orar e com quem não podemos ter comunhão. Não podemos, na realidade, nem sequer fazer alusão apropriada à existência-própria como sendo Ele, visto que a existência-própria em si está além de todos os predicados. Este sistema, que exclui o Trinitarismo bíblico, também exclui uma encarnação real, e propõe uma cristologia que é uma espécie peculiar de adopcionismo. Visto que não postula Queda histórica alguma, e equipara o pecado com a alienação mais do com a rebelião, sua soteriologia desconhece um sacrifício vicário que obtém a justificação do pecador.[7]
É falacioso concluir que a mera mudança da terminologia bíblico-teológica significa aperfeiçoamento de conceitos. Infelizmente, teólogos têm adotado um câmbio de termos, abandonando a linguagem da teologia clássica, adaptando não somente as palavras, mas essencialmente o seu significado. Temos, por exemplo, o Open theism, bem como a Teologia Feminista realizando um esvaziamento semântico das palavras bíblicas e expressões teológicas. É incrível, por exemplo, como o Open theism prefere construir sobre uma base escorregadia dizendo que podemos crer num Deus soberano, todavia, não podemos saber o quão soberano Ele é, pois, temos que descobrir o quanto soberano Ele ainda pode ser. Avaliando criticamente a Teologia Feminista, John Frame observa que como temos visto, os nomes de Deus são de grande importância teológica. Eles revelam-no. Não existe razão para assumir que as proporções das figuras masculinas e femininas não são parte desta revelação da sua natureza. Embora Johnson e outras insistem, entendo que uma mudança na balança da figura sexual não é teologicamente neutra; isto mudaria o nosso conceito de Deus. Por acaso temos o direito de mudar nosso conceito bíblico de Deus?[8]
Infelizmente mesmo existindo dicionários teológicos, não podemos pressupor que todas as palavras possuem o mesmo significado nas diferentes escolas teológicas. Não podemos ignorar que existe a necessidade de definirmos cuidadosamente o nosso vocabulário teológico a partir da posição [conservadora] que adotamos. Permita-me esclarecer o que estou dizendo, quando usamos rótulos não estamos identificando apenas a nossa postura, mas expondo todo o nosso conjunto de convicções. Os adjetivos conservador, pressuposicionalista, calvinista, presbiteriano, cessacionista, amilenista em si já definem a linguagem teológica pelos pressupostos que cada posição exige. Para se estudar teologia, ou qualquer outra disciplina é necessário sempre verificarmos se estamos falando o mesmo idioma, ou se impera entre nós uma Babel teológica.
Notas:
[1] Gordon H. Clark, Logic, in: www.monergismo.com/textos/filosofia/logica_linguagem_clark.pdf(09/03/06).
[2] Vincent Cheung, Captive to Reason, in: www.monergismo.com/textos/apologetica/deus_linguagem_cheung.htm (09/03/06).
[3] Bernard Ramm, A Teologia de Schleiermacher a Barth e Bultman in: Stanley Gundry, ed., Teologia Contemporânea (São Paulo, Ed. Mundo Cristão, 1987), p. 37.
[4] Jack Deere, Surpreendido com a voz de Deus (São Paulo, Ed. Vida, 1998), p. 165.
[5] Jack Deere, Surpreendido com a voz de Deus, p. 190.
[6] Vernon C. Grounds, Precursores da teologia radical dos anos 60 e 70 in: Stanley Gundry, ed., Teologia Contemporânea, p. 99.
[7] Vernon C. Grounds, Precursores da teologia radical dos anos 60 e 70, p. 103.
[8] John M. Frame, The Doctrine of God (New Jersey, P&R Publishing, 2002), pp. 382-383.
Sobre o autor: Ewerton B. Tokashiki
Pastor na Igreja Presbiteriana de Cerejeiras (2000-2005 [6 anos]); na Primeira Presbiteriana de Porto Velho (2006-20016 [11 anos])
Leciono disciplinas teológicas desde 1998 em diferentes instituições
Assistente de direção e bibliotecário no Seminário Teológico Presbiteriano JMC [2017-2018]
Pastor na Primeira Igreja Presbiteriana de Teófilo Otoni [2019]
Escritor e tradutor
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