"A Companhia de Pastores de Calvino" - resenha por Michael Horton
Por: Michael Horton
Com muitos outros, tenho antecipado a publicação de Calvin’s Company of Pastors: Pastoral Care and the Emerging Reformed Church, 1536–1609 de Scott Manetsch. Não é bem o que eu esperava, ou seja, uma atualização mais completa para The Register of the Company of Pastors of Geneva in the Time of Calvin (1966) de Phillip Hugues. Nós precisávamos de algo assim, que fosse uma publicação de nicho que pareceria muito com uma avaliação para uma audiência geral. No entanto, o livro de Manetsch é isso e muito mais.
Repleta de novos estudos (incluindo a análise de registros nunca examinados de perto), Calvin’s Company of Pastors é uma leitura fascinante. Enquanto muitos estudos se inclinam para a história intelectual, Manetsch segue o rastro de historiadores sociais mais recentes (e obscuros). A sua análise engloba fatores sociais mais amplos, e ele tira conclusões com base em fontes frequentemente omitidas de outros relatos. Como um bom sermão, o enorme peso da pesquisa em primeira mão está por trás, e não a frente da história.
Respaldado com as notas de rodapé e tabelas é uma narrativa vívida que nos esboça um notável ministério de uma equipe de pastores, presbíteros e diáconos. Apesar do título, Manetsch, professor de história da igreja e da história do pensamento cristão na Trinity Evangelical Divinity School, nas proximidades de Chicago, mostra que Calvino era apenas o moderador de uma Companhia de Pastores que resistia a qualquer culto à personalidade.
Definindo o Contexto
Manetsch define o contexto observando que a reforma inicial da igreja genebrina reduziu os clérigos da cidade (incluindo monges e freiras) de 500 para 15, transformando o convento e dois mosteiros em um hospital público e escola. Ele observa que as Ordenanças Eclesiásticas, elaboradas por Calvino em 1541, estabeleceram uma rotatividade de ministros em todas as igrejas para evitar a impressão de que os ministros eram pregadores, não pastores.
Após seu retorno de Estrasburgo em 1541, Calvino pregou rotineiramente em St. Pierre aos Domingos e no templo da Madeleine durante a semana de trabalho. Essa prática de rotação foi projetada por Calvino para garantir que o povo de Genebra fosse edificado por uma variedade de pregadores; também afirmava a natureza colegial do ministério pastoral na cidade, e desencorajava os ministros de verem seus postos de pregação como feudos pessoais.
Poucas figuras históricas sofreram mais em termos de rumores do que por fatos. Há muito é observado por especialistas (católicos romanos e protestantes) que Calvino estava longe do aiatolá que normalmente encontra no parágrafo dedicado a ele nos livros didáticos do ensino médio. Manetsch dissipa esses rumores com muita atenção às fontes primárias.
Nesse sentido, Manetsch também avalia os registros da igreja (ou registro) em detalhes notáveis. O exame de casos disciplinares por si só torna este livro útil para qualquer pessoa interessada num retrato preciso de uma prática muito mal compreendida.
Ao contrário das caricaturas de um regime repressivo, os registros mostram uma preocupação primariamente “em educar os ignorantes, defender os fracos e intermediar conflitos interpessoais”. Calvino e outros repetidamente afirmaram que o consistório não podia administrar punições legais ou temporais (isto é, aqueles que não têm “a espada espiritual da Palavra de Deus” e que “as correções nada mais são do que remédios para trazer os pecadores de volta ao nosso Senhor.” Calvino advertiu contra a disciplina que se degenera em “carnificina espiritual”, e foi especialmente crítico do rigor indevido tanto pelos católicos romanos como da disciplina anabatista.
Muitas das questões envolviam assegurar que os paroquianos conhecessem a fé cristã o suficiente para receber a Comunhão. Não se pode receber o sacramento enquanto se crê em crenças e práticas católicas romanas ou anabatistas; a maioria dos casos, entretanto, estava na categoria de aconselhamento, admoestação e instrução, em vez de censura séria (muito menos excomunhão). Dentro destes parâmetros, a excomunhão seria rara. Além disso, essas questões tinham que permanecer privadas; a maledicência também poderia provocar uma carta do consistório.
Deve-se notar que nenhum ministro ou presbítero - nem mesmo Calvino - poderia exercer disciplina individualmente. Todas as ações eram as do Consistório - ministros e presbíteros - como um corpo em comum consenso. Manetsch até relaciona casos de ministros sendo examinados e removidos do cargo. E apesar do estereótipo, ele relata que os pecados sexuais foram responsáveis por “apenas cerca de 13% de todas as suspensões” da Comunhão. Em alguns casos, o Consistório solicitou ao Pequeno Conselho que fornecesse emprego remunerado para as jovens mulheres e “defendia a causa de órfãos desamparados, trabalhadores pobres, prisioneiros maltratados, refugiados desprezados e desajustados sociais”.
O mesmo rigor em sua pesquisa é evidente ao relacionar o desenvolvimento da academia (que Lambert Daneau chamou de “um dos mercados mais ricos para o comércio intelectual do mundo”) e a composição de pastores, professores e estudantes atraídos para Genebra. Embora tirada principalmente das “classes urbanas da Europa francófona, assim como da nobreza francesa”, muitos outros vieram da Itália, Espanha, Inglaterra, Polônia e além. Ele também aponta o notável foco e energia da Companhia de Pastores para missões - incluindo a primeira missão protestante para o Novo Mundo (no Brasil).
Explorando o ministério da Palavra e Sacramentos em Genebra, Manetsch revela a relativa ausência de pregação na cidade antes da Reforma. Como na maioria dos lugares, os sermões eram raros, exceto pela aparição ocasional de um pregador itinerante.
Ao contrário da impressão geral, Calvino não era o único pastor da igreja de St. Pierre, a principal paróquia da cidade, mas compartilhava da rotação com os outros. Os sermões eram frequentes (vários no Domingo e outros no decorrer da semana; Calvino pregava de 18 a 20 vezes por mês). No entanto, Calvino e a Companhia limitaram os cultos a não mais do que uma hora. Além dos cultos de oração de Quarta-feira, havia estudos semanais sobre passagens bíblicas, em que os paroquianos tinham um papel ativo nas discussões.
Pontos Marcantes
Um dos pontos marcantes de Manetsch, particularmente em vista da prática contemporânea, diz respeito à redefinição do ministério pastoral. Primeiro, houve um esforço determinado para evitar um culto à personalidade: “Calvino, o pregador, quase nunca fala de seus assuntos pessoais”. É o ministério de Cristo, não o próprio ministro, que deve estar à frente e no centro do povo de Deus. Segundo, Manetsch observa: “O pregador não era o proprietário de um púlpito ou o comandante de sua congregação: foi Cristo quem presidiu a sua igreja por meio da Palavra”.
A Companhia de Pastores foi edificada, como instituição, com base no princípio básico de que todos os ministros cristãos possuíam igual autoridade sob a Palavra para proclamar o evangelho e administrar os sacramentos. Por isso, Calvino e seus colegas rejeitaram qualquer noção de preeminência ou hierarquia de autoridade dentro da companhia pastoral. Pelo menos em teoria, os ministros do evangelho cristão eram intercambiáveis.
De fato, cada um se submeteria à decisão da maioria. Manetsch aponta a comparação de Calvino acerca dos ministros aos “amigos do noivo” que têm o privilégio de “exercer autoridade sobre a igreja para representar a pessoa do Filho de Deus”. No entanto, eles devem observar a diferença entre “eles mesmos e o que pertence ao Esposo” e não “ficar no caminho de Cristo tendo somente o domínio em sua igreja ou governando-o somente por sua Palavra.” Calvino continuou: “Aqueles que ganham a igreja para si mesmos, em vez de para Cristo, violam a casamento que eles deveriam honrar”.
O caráter fraterno dos ministros torna-se uma característica recorrente no estudo de Manetsch. “Quanto menos discussões de doutrina tivermos juntos, maior o perigo de opiniões perniciosas”, observou Calvino. “A solidão leva a um grande abuso.” Consequentemente, havia amplas oportunidades de avaliação pelos pares a portas fechadas entre os pastores, variando de avaliações de sermões a discussões doutrinárias e ao manejo dos assuntos da igreja.
Existem alguns problemas com a Companhia de Pastores de Calvino que poderiam ser levantados. Manetsch apresenta uma pesquisa útil sobre o culto de adoração em Genebra, mas alguns elementos da liturgia que Calvino elaborou não estão inclusos. Os leitores também podem achar um tanto confuso que “Reformado” seja “reformado” (em minúsculas), mesmo que as referências às tradições católicas romana, luteranas e anabatistas sejam todas em maiúsculas. Embora provavelmente não intencional, isso pode minar o ponto abundantemente apoiado em todo o trabalho de que Calvino era membro e contribuiu para uma tradição maior do que ele. No entanto, isso não diminui a utilidade de um estudo que reúna essa amplitude de pesquisa em um único volume.
Artigo extraído de https://www.thegospelcoalition.org/reviews/calvins-company-pastors/ artigo publicado em 25 de Fevereiro de 2013. Acessado em 24 de Maio de 2019. Traduzido por Ewerton B. Tokashiki.
Sobre o autor: Michael Horton
Michael Scott Horton (nascido em 1964) é o J. Gresham Machen Professor de Teologia e Apologética no Westminster Seminary California desde 1998, Editor-chefe da revista Modern Reformation (MR) e presidente e anfitrião do rádio nacional sindicado Transmissão, The White Horse Inn. A revista The Modern Reformation e The White Horse Inn são agora entidades sob o guarda-chuva da White Horse Media, cujos escritórios estão localizados no campus do Westminster Seminary California.