Identidade Reformada e Confessionalidade

Por: Andrew Jumper

Introdução

Uma das características originais da tradição reformada foi a sua confessionalidade. Nos séculos 16 e 17, os reformados, mais do que outras tradições protestantes, preocuparam-se em expressar formalmente as suas convicções doutrinárias por meio de declarações escritas. Essas declarações foram de dois tipos: confissões de fé e catecismos. As confissões de fé são documentos dirigidos tanto a um público interno quanto externo e consistem em uma exposição sistemática dos principais pontos da fé reformada. Já os catecismos são dirigidos principalmente aos fiéis, especialmente as crianças e os jovens, e geralmente têm a forma de perguntas e respostas.

Ao lado do pensamento dos reformadores suíços, essas declarações de fé constituem uma das principais fontes da teologia reformada. Elas são notáveis pelo seu número e variedade: a comunidade reformada formulou pelo menos cinqüenta confissões de alguma importância nos primeiros 150 anos. Algumas foram redigidas por indivíduos e outras por grupos; algumas são muito simples, outras altamente elaboradas. Seus tópicos são os temas clássicos da teologia reformada: Deus e o seu senhorio, a autoridade das Escrituras, o pecado e a salvação, a eleição, os sacramentos, a vida cristã (ética), etc. Muitos desses documentos abordam passagens clássicas da Escritura e da tradição cristã, tais como os Dez Mandamentos, a Oração do Senhor e o Credo dos Apóstolos (os reformados também aceitam os credos, as declarações de fé da igreja antiga).

1. Objetivos das declarações confessionais

a) Declaratório: dar testemunho aos outros acerca da fé pessoal e coletiva (1 Pe 3.15).

b) Apologético: mostrar às autoridades e a outros grupos religiosos que a fé reformada estava em harmonia com as Escrituras.

c) Didático: ensinar aos fiéis (inclusive crianças, jovens e novos convertidos) as verdades centrais da fé bíblica.

d) Litúrgico: confessar e proclamar a fé no culto público (inclui um propósito homilético); preparar os que irão participar da Ceia do Senhor.

2. Principais declarações confessionais reformadas

2.1. Confissões de fé

Sessenta e Sete Artigos (1523): apresentados por Zuínglio no primeiro debate teológico realizado em Zurique. Parágrafo introdutório: “Eu, Ulrico Zuínglio, confesso que tenho pregado na nobre cidade de Zurique estes sessenta e sete artigos ou opiniões, com base na Escritura, que é chamada theopneustos (isto é, inspirada por Deus). Eu me proponho a defender e vindicar esses artigos com a Escritura. Porém, se eu não tiver entendido corretamente a Escritura, estou pronto a ser corrigido, mas somente com base na mesma Escritura”.

Confissão de Genebra (1536): apresentada por João Calvino e Guilherme Farel às autoridades de Genebra em 10 de novembro de 1536. Distingue-se de documentos suíços anteriores, como os Sessenta e Sete Artigos, por sua argumentação mais cuidadosa e perspectiva teológica mais consistente. Caracteriza-se por sua concisão e senso de autoridade. Aborda 21 tópicos, começando com a afirmação de convicções teológicas e concluindo com temas em disputa com os católicos.

Confissão da Guanabara (1558): escrita por quatro huguenotes que faziam parte da França Antártica, uma colônia francesa fundada por Nicolau Durand de Villegaignon na baía da Guanabara; com base nessa declaração de fé, Villegaignon os condenou à morte, executando três deles. A confissão compõe-se de 17 parágrafos que tratam dos seguintes temas: as pessoas da Trindade, os sacramentos da Ceia e do batismo, o livre arbítrio, a autoridade dos sacerdotes, casamento e celibato, a intercessão dos santos e orações pelos mortos. Parágrafo inicial: “Segundo a doutrina de São Pedro Apóstolo, em sua primeira epístola, todos os cristãos devem estar sempre prontos para dar a razão da esperança que neles há, e isso com toda doçura e benignidade. Nós, abaixo assinados, senhor de Villegaignon, unanimemente (segundo a medida de graça que o Senhor nos há concedido), damos razão a cada ponto, segundo nos haveis apontado e ordenado”.

Confissão Galicana (1559): adotada pela Igreja Reformada de França por ocasião do seu primeiro sínodo nacional, realizado nas proximidades de Paris. O autor principal do texto foi o reformador Calvino. Também é conhecida como Confissão de La Rochelle e contém 40 parágrafos.

Confissão Escocesa (1560): produzida em quatro dias a pedido do Parlamento Escocês como parte da reforma da igreja; foi escrita por uma comissão de seis membros, entre os quais o reformador João Knox (1505-1572).

Confissão Belga (1561): escrita por Guido de Brès “para os fiéis que estão dispersos por toda parte nos Países Baixos”; foi adotada por um sínodo reunido em Antuérpia em 1566 e, com algumas modificações, tornou-se um documento oficial do protestantismo reformado holandês, junto com o Catecismo de Heidelberg e os Cânones de Dort. Possui 37 seções ou artigos.

Segunda Confissão Helvética (1566): escrita por Johann Heinrich Bullinger a pedido de Frederico III, príncipe eleitor do Palatinado (Alemanha). Em um tom moderado, apresenta o calvinismo como o cristianismo evangélico que está em harmonia com os ensinos da igreja antiga. É um longo e elaborado documento com 30 capítulos. Foi aceita oficialmente na Suíça, Alemanha, França, Escócia, Hungria e Polônia, e bem recebida na Holanda e na Inglaterra.

Cânones do Sínodo de Dort (1619): o Sínodo de Dort ou Dordrecht, na Holanda, foi convocado pelo governo para resolver a controvérsia arminiana, tendo a participação de teólogos reformados de diversos países. Seus cânones constituem os chamados “Cinco Pontos do Calvinismo”, sintetizados com as seguintes expressões: Depravação Total, Eleição Incondicional, Expiação Limitada, Graça Irresistível (Vocação Eficaz) e Perseverança dos Santos. É um dos documentos doutrinários oficiais das igrejas reformadas da Holanda.

Confissão de Fé de Westminster (1646): redigida por mais de 120 teólogos calvinistas (ingleses e escoceses), reunidos na Assembléia de Westminster, em Londres, mediante convocação do Parlamento. A Confissão de Fé compõe-se de 33 capítulos cujos temas podem ser classificados da seguinte maneira: a Escritura Sagrada (Cap. 1), o Ser de Deus e suas obras (2-5), o pecado e a salvação (6-8), a aplicação da obra da salvação (9-15), a vida cristã (16-21), o cristão na sociedade (22-24), a igreja e os sacramentos (25-29), a disciplina eclesiástica e os concílios (30-31), as últimas coisas (32-33). Entre os temas especificamente reformados estão os decretos de Deus, o pacto (das obras e da graça), o conceito de livre arbítrio, a vocação eficaz, a perseverança dos santos, a lei de Deus e os sínodos e concílios.

2.2. Catecismos

Instrução na Fé (1537): escrita por Calvino pouco depois de se radicar em Genebra, contém uma apresentação clara e serena dos pontos essenciais do seu pensamento inicial. Possui 33 seções que abordam os mais diferentes tópicos. Primeiro parágrafo: “Visto que não há nenhum homem, por mais bárbaro e selvagem que possa ser, que não seja tocado por alguma idéia de religião, está claro que todos nós fomos criados a fim de que possamos conhecer a majestade do nosso Criador, para que, tendo-a conhecido, possamos estimá-la acima de tudo e honrá-la com toda admiração, amor e reverência”.

Catecismo de Genebra (1542): um longo documento escrito por Calvino a pedido de várias pessoas, no início da sua segunda estadia em Genebra, como um aperfeiçoamento do catecismo de 1537. Ao mesmo tempo preparou-se um calendário indicando como suas 373 perguntas e respostas podiam ser aprendidas e recitadas num período de 55 semanas. Foi adotado pela Igreja Reformada da França e pela Igreja da Escócia.

Catecismo de Heidelberg (1563): principal documento da Igreja Reformada Alemã. Foi escrito por dois teólogos, Zacarias Ursinus e Gaspar Olevianus, a pedido do príncipe Frederico III, do Palatinado. É um documento conciliador, combinando o calvinismo com um luteranismo moderado. É considerado um dos documentos reformados mais calorosos e pessoais, sendo adotado por muitas igrejas reformadas. Suas 129 perguntas e respostas classificam-se em três partes: 1) Nosso pecado e culpa, 2) Nossa redenção e liberdade, 3) Nossa gratidão e obediência. Sua primeira pergunta e resposta dizem: “Qual é o teu único consolo, na vida e na morte? É que, de corpo e alma, tanto nesta vida como na morte, eu pertenço não a mim mesmo, mas a Jesus Cristo, meu fiel Salvador, o qual pelo seu precioso sangue resgatou-me inteiramente de meus pecados e me livrou de todo o poder do Diabo. Ele cuida de mim tão bem que nem mesmo um cabelo de minha cabeça pode cair sem a vontade de meu Pai celeste e todas as coisas devem contribuir para a minha salvação. É por isso que ele me dá, pelo seu Espírito Santo, a certeza da vida eterna e me ensina a viver de ora em diante para ele, amando-o de todo o meu coração”.

Catecismos de Westminster (1647): o Catecismo Maior compõe-se de 196 perguntas e respostas e se divide em três partes: 1) A finalidade do homem, a existência de Deus e as Escrituras Sagradas (perguntas 1-5); 2) O que o ser humano deve crer sobre Deus (6-90); 3) Quais são os nossos deveres (91-196). Algumas seções especiais são: Cristo, o Mediador (36-56), os Dez Mandamentos (98-148) e a Oração do Senhor (186-196). O Breve Catecismo tem 107 perguntas e respostas. A parte central trata da lei de Deus e dos Dez Mandamentos (perguntas 39-83).



Sobre o autor: Andrew Jumper

O Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper (CPAJ) tem por finalidade principal capacitar professores para seminários, institutos bíblicos e outras instituições de ensino teológico, bem como preparar outros docentes e profissionais para atuarem alicerçados numa cosmovisão reformada em suas respectivas vocações. Dedica-se igualmente a capacitar obreiros para ministérios especializados e propiciar aos interessados a oportunidade de continuar e aprofundar os seus estudos acadêmicos na área de teologia.

Na consecução de seus objetivos, o CPAJ busca promover um ambiente próprio para a investigação acadêmica e a reflexão teológica. Assim, o CPAJ não busca credenciamento junto às autoridades que regulam a educação do governo brasileiro (MEC), pois isso limitaria o escopo de nossa missão.

Cosmovisão e Missão

Entendemos que o homem e a mulher foram criados por Deus com uma disposição para buscar a verdade e, como seus representantes, administrar a criação de forma a evidenciar a soberania divina, através do cumprimento dos mandatos espiritual, familiar e cultural. Reconhecemos que a queda de nossos primeiros pais trouxe a esse projeto consequências danosas para a humanidade e o próprio cosmo.

Cremos que Deus está efetuando a redenção do ser humano e do cosmo e que todos aqueles que foram alcançados pela sua ação regeneradora são chamados a participar deste programa redentivo na história. Estes elementos de nossa cosmovisão — criação, queda e redenção — fundamentados na Escritura, são essenciais para capacitar-nos a reconhecer a verdade, distinguindo-a do erro. Tais elementos constituem a estrutura para uma vida de crescente aprendizado e serviço.

É a partir desta cosmovisão que desejamos despertar vocações que integrem erudição e piedade, caráter e serviço, com vistas a uma vida integral tanto na docência em instituições de ensino, quanto em pesquisa e outras esferas da vida acadêmica e profissional, na esperança de que estes esforços, usados por Deus, contribuam para o avanço e futura consumação do seu Reino.

Assim, o Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper prepara líderes para ministérios, buscando desenvolver nestes uma profunda compreensão da Palavra de Deus e um profundo desejo de utilizar esse conhecimento a serviço do Criador.

Conheça o site e os cursos oferecidos pelo Centro Presbiteriano de PósGraduação Andrew Jumper, clique aqui...

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Última atualização: 28/04/2022 7:01:00



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