Carta de João Calvino a Francis Daniel [1529]

Por: João Calvino

CARTA 3 - PARA FRANCIS DANIEL

AGRADECIMENTOS A FRANCIS DANIEL — SAUDAÇÕES A MELCHIOR WOLMAR — VÁRIAS MENSAGENS

MEAUX, 6 de Setembro de 1529


Devo-te agradecimentos por não ter poupado esforços para cuidar de nossos assuntos, o que não deixarei passar despercebido quando tiver oportunidade. Pois penso que o que vai acontecer é que pelo menos eu possa ser capaz de pagar um favor como este, e não somente que o meu nome seja retirado do seu diário contábil; e mais que isso, que seja difícil encontrar uma única página que conste meu nome como seu devedor. Mas se você acha que eu valho dinheiro, faço de mim mesmo o pagamento, com a costumeira condição legal, de que tudo que é meu siga junto com a aquisição. Você precisa compreender, além disso, que foi a brecha aberta para a nossa descarada solicitação, enquanto você deu sua ajuda pronta e pontual, para que deste modo possamos ser no futuro nada mais que negociadores sem nada do que envergonhar, esquecendo se somos ou não capazes de quitar nossos débitos, para que você não conceda benefícios dos quais você poderá transformar em ganho, mas conceda gratuitamente seus favores. Nesse interim, no entanto, vou tomar o cuidado de que a adega esteja bem guarnecida de vinho, se eu vir que isso será de vantagem para nós, para que você não venha a supor que alguma coisa tenha sido realizada de última hora. Talvez, de uma forma indireta, pareça que eu esteja pedindo dinheiro, mas não me interprete indelicadamente ou me censure indiretamente, a menos que, como você está acostumado, seja em tom de brincadeira. Você se mostrou viril ao se comportar com tanta firmeza com o indolente Maecenas; uma vez que ele não pode no momento adequar seus modos a nós, deixe-o ser o seu recompensador e, inflado e pomposo, deixe-o cuidar de suas próprias ambições. Eu invejo Fusius, o astrólogo. Devolvo seu livro de mapas, que, com Lampridius, podemos marcar o itinerário, e no grego hodoiporiken,[1] eu não acrescento agradecimentos, porque palavras não podem fazer jus ao seu mérito. Você pode dar minhas lembranças a Melchior[2] se ele ainda estiver com você, para Sucquet e Pigney, e também ao nosso amigo Curterius? Pode dizer ao Sucquet, que eu tenho ocasião para usar a Odisséia de Homero que eu o havia emprestado? E quando você o tiver em mãos, mantenha-o em sua posse, a menos que de fato Ronsart que costumava te levar minhas cartas, a quem eu tinha confiado esta responsabilidade, tenha feito antes. - Adeus, meu querido amigo, meu distinto.

[Cópia Latina - Biblioteca de Berna. Volume 450]
Extraído de Letters 1528-1545 - Selected Works of John Calvin (Albany, Ages Software, 1998), vol. 4, pp. 33-34.
Tradução em 25 de Abril de 2014.


NOTAS:
[1] A palavra grega citada por Calvino significa "viagem".
[2] Melchior Wolmar foi professor de grego de Calvino na Universidade de Bourges e o preceptor de Theodore Beza. Ele foi convidado pelo Duque de Wurtemberg para a Docência de Direito na Universidade de Tubingen. Em 1561 morreu retirado em Eisenach. Calvino dedicou-lhe em 1 Agosto de 1546 o seu Comentário da Segunda Epístola aos Corintos. Nota de Ewerton B. Tokashiki.

Tradutor: Rev. Antônio dos Passos Pereira Amaral, ministro presbiteriano, pastor efetivo na Igreja Presbiteriana de Lagoa Santa; professor de teologia e hermenêutica na Escola Bíblica Central do Brasil/Lagoa Santa-MG; Bacharel em Teologia e Missiologia pela Escola Superior de Teologia e Estudos Transculturais/Montes Claros-MG (2003), Bacharel em Teologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie/São Paulo-SP (2013), cursando Mestrado (MDiv) em Teologia Histórica pelo Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper/SP.

Revisado por Rev. Ewerton B. Tokashiki
Pastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Porto Velho
Professor de Teologia Sistemática no SPBC-RO

Fonte: REFORMADOS DO SÉCULO XVI



Sobre o autor: João Calvino

João Calvino (Noyon, 10 de julho de 1509 — Genebra, 27 de maio de 1564) foi um teólogo cristão francês. Aos 14 anos foi estudar em Paris preparando-se para entrar na universidade. Estudou gramática, filosofia, retórica, lógica, aritmética, geometria, astronomia e música. Em 1523 foi estudar no famoso Colégio Montaigu. Em 1528, com 19 anos, iniciou seus estudos em Direito e, depois, em Literatura. Em 1532 escreveu seu primeiro livro, um comentário à obra De Clementia de Sêneca. Em 1533, na reabertura da Universidade de Paris, escreveu um discurso atacando a teologia dos escolásticos e foi perseguido. Possivelmente foi neste período 1533-34 que Calvino se converteu, por influência de seu primo Robert Olivétan.

Calvino teve uma influência muito grande durante a Reforma Protestante, que continua até hoje. Portanto, a forma de protestantismo que ele ensinou e viveu é conhecida por alguns pelo nome calvinismo, embora o próprio Calvino tivesse repudiado contundentemente este apelido. Esta variante do protestantismo viria a ser bem sucedida em países como a Suíça (país de origem), Países Baixos, África do Sul (entre os africânderes), Inglaterra, Escócia e Estados Unidos.

Nascido na casa dele , ao norte da França, foi batizado com o nome de Jehan Cauvin. A tradução do apelido de família "Cauvin" para o latim Calvinus deu a origem ao nome "Calvino", pelo qual se tornou conhecido. Calvino foi inicialmente um humanista. Nunca foi ordenado sacerdote. Depois do seu afastamento da Igreja Católica, este intelectual começou a ser visto, gradualmente, como a voz do movimento protestante, pregando em igrejas e acabando por ser reconhecido por muitos como "padre". Vítima das perseguições aos huguenotes na França, fugiu para Genebra em 1536, onde faleceu em 1564. Genebra tornou-se definitivamente num centro do protestantismo europeu e João Calvino permanece até hoje uma figura central da história da cidade e da Suíça.[1]

Martinho Lutero escreveu as suas 95 teses em 1517, quando Calvino tinha oito anos de idade. Para muitos historiadores, Calvino terá sido para o povo de língua francesa aquilo que Lutero foi para o povo de língua alemã - uma figura quase paternal. Lutero era dotado de uma retórica mais direta, por vezes grosseira, enquanto que Calvino tinha um estilo de pensamento mais refinado e geométrico, quase de filigrana.

Segundo Bernard Cottret, biógrafo francês de Calvino: "Quando se observa estes dois homens podia-se dizer que cada um deles se insere já num imaginário nacional: Lutero o defensor das liberdades germânicas, o qual se dirige com palavras arrojadas aos senhores feudais da nação alemã; Calvino, o filósofo pré-cartesiano, precursor da língua francesa, de uma severidade clássica, que se identifica pela clareza do estilo".

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Última atualização: 01/08/2020 16:38:00



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