Carta de Calvino para Farel [1541]
Por: João Calvino
CALVINO EM BERNA – SUA ENTREVISTA COM UM DOS PRINCIPAIS MAGISTRADOS, E COM OS MINISTROS DAQUELA CIDADE.
MORAT, Setembro de 1541[1]
Assim que cheguei em Berna, apresentei minha carta ao vice-cônsul. Ao lê-la, ele disse: Os de Estrasburgo e Basileia pedem que um salvo-conduto seja concedido a você. Eu respondi que tal requerimento era supérfluo, porque eu nem era um malfeitor, nem estava em um território de completos inimigos. Então eu expliquei o que eles podiam facilmente ter entendido. O Conselho, no entanto, por ignorância grosseira, entendeu assim, como se tivesse sido escrita em referência a uma escolta. O estado da minha saúde impediu minha espera no Senado pessoalmente; nem pareceu-me que isso valeria a pena. Em seguida eu me desculpei com o Vice-Cônsul, quando ele perguntou por que eu não tinha vindo pessoalmente. O Senado retornou em resposta, de que eu não precisava de proteção pública em um cantão pacífico, e que em outros aspectos eles estariam mais que prontos para me auxiliar. Veja que zombaria. Eu encontrei muitas provas de gentileza entre os irmãos. Konzen estava ausente. Erasmo e Sulzer em seus próprios nomes e de outros, aprovaram a minha declaração e livremente prometeram seu auxílio e favor. Sulzer, além de outros, conversou comigo de modo familiar sobre vários pontos. Parece-me que nós devemos fazer o possível para garantir sua cooperação; será de grande utilidade, e ele se mostrou bem disposto. Eu não me esqueci, como você possa supor, de interceder pela causa de seu interesse. Uma comitiva foi enviada.[2] Eu não consegui obter mais; e Giron declarou que seria sem propósito insistir ainda mais nesse assunto. O Senhor, no entanto, não tem necessidade alguma de tal conselho ou proteção. Adeus, com todos os irmãos. – Seu,
João Calvino
[Autógrafo original em latim. -- Biblioteca de Genebra. Volume 106.]
NOTAS:
[1] Após uma curta visita a Berne, Calvino, em Morat, escreveu a Farel para informá-lo sobre alguns dos incidentes de sua viagem.
[2] Essa comitiva tinha ido solicitar o favor do rei Francisco I, pelos valdenses da Provência.
Tradutor: Rev. Antônio dos Passos Pereira Amaral, ministro presbiteriano, pastor auxiliar da Igreja Presbiteriana Filadélfia em Marabá-PA; cursando mestrado (MDiv) em Teologia Histórica pelo CPAJ – Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper/SP.
Fonte: REFORMADOS DO SÉCULO XVI
Sobre o autor: João Calvino
João Calvino (Noyon, 10 de julho de 1509 — Genebra, 27 de maio de 1564) foi um teólogo cristão francês. Aos 14 anos foi estudar em Paris preparando-se para entrar na universidade. Estudou gramática, filosofia, retórica, lógica, aritmética, geometria, astronomia e música. Em 1523 foi estudar no famoso Colégio Montaigu. Em 1528, com 19 anos, iniciou seus estudos em Direito e, depois, em Literatura. Em 1532 escreveu seu primeiro livro, um comentário à obra De Clementia de Sêneca. Em 1533, na reabertura da Universidade de Paris, escreveu um discurso atacando a teologia dos escolásticos e foi perseguido. Possivelmente foi neste período 1533-34 que Calvino se converteu, por influência de seu primo Robert Olivétan.
Calvino teve uma influência muito grande durante a Reforma Protestante, que continua até hoje. Portanto, a forma de protestantismo que ele ensinou e viveu é conhecida por alguns pelo nome calvinismo, embora o próprio Calvino tivesse repudiado contundentemente este apelido. Esta variante do protestantismo viria a ser bem sucedida em países como a Suíça (país de origem), Países Baixos, África do Sul (entre os africânderes), Inglaterra, Escócia e Estados Unidos.
Nascido na casa dele , ao norte da França, foi batizado com o nome de Jehan Cauvin. A tradução do apelido de família "Cauvin" para o latim Calvinus deu a origem ao nome "Calvino", pelo qual se tornou conhecido. Calvino foi inicialmente um humanista. Nunca foi ordenado sacerdote. Depois do seu afastamento da Igreja Católica, este intelectual começou a ser visto, gradualmente, como a voz do movimento protestante, pregando em igrejas e acabando por ser reconhecido por muitos como "padre". Vítima das perseguições aos huguenotes na França, fugiu para Genebra em 1536, onde faleceu em 1564. Genebra tornou-se definitivamente num centro do protestantismo europeu e João Calvino permanece até hoje uma figura central da história da cidade e da Suíça.[1]
Martinho Lutero escreveu as suas 95 teses em 1517, quando Calvino tinha oito anos de idade. Para muitos historiadores, Calvino terá sido para o povo de língua francesa aquilo que Lutero foi para o povo de língua alemã - uma figura quase paternal. Lutero era dotado de uma retórica mais direta, por vezes grosseira, enquanto que Calvino tinha um estilo de pensamento mais refinado e geométrico, quase de filigrana.
Segundo Bernard Cottret, biógrafo francês de Calvino: "Quando se observa estes dois homens podia-se dizer que cada um deles se insere já num imaginário nacional: Lutero o defensor das liberdades germânicas, o qual se dirige com palavras arrojadas aos senhores feudais da nação alemã; Calvino, o filósofo pré-cartesiano, precursor da língua francesa, de uma severidade clássica, que se identifica pela clareza do estilo".