Os Artigos de Lausanne
Por: João Calvino
Questões a serem discutidas em Lausanne
na nova província de Berna
em 1 de Outubro de 1537
I
A Sagrada Escritura ensina apenas uma maneira de justificação, que é pela fé em Jesus Cristo, de uma vez por todas oferecida, e não é senão um destruidor de toda a virtude de Cristo, quem faz outra satisfação, oferta ou purificação para a remissão de pecados.
II
Esta Escritura reconhece a Jesus Cristo, que ressuscitou dos mortos e está no céu à direita do Pai, como o único chefe e verdadeiro sacerdote, mediador soberano e verdadeiro defensor da sua Igreja.
III
A Sagrada Escritura chama de Igreja de Deus todos os que creem que são recebidos somente pelo sangue de Jesus Cristo e que, creem com constância e sem vacilar, firmam e apoiam-se na Palavra, que, retirando-se de entre nós em presença corpórea, todavia, a virtude de seu Espírito Santo enche, sustenta, governa e vivifica todas as coisas.
IV
A referida Igreja contém certas coisas que são conhecidas apenas para os olhos de Deus. Possui sempre cerimônias ordenadas por Cristo, através das quais é visto e conhecido, isto é, o Batismo e a Ceia de nosso Senhor, que são chamados sacramentos, pois são símbolos e sinais de coisas secretas, isto é, da graça divina. A referida Igreja não reconhece nenhum ministério, exceto o que prega a Palavra de Deus e administra os sacramentos.
VI
Além disso, esta mesma Igreja não recebe nenhuma outra confissão além daquela que é feita a Deus, nenhuma outra absolvição do que aquela que é dada por Deus para a remissão dos pecados e que, por si só, perdoa e remete seus pecados que, para esse fim, confessam a sua culpa.
VII
Além disso, esta mesma Igreja nega todas as outras formas e meios de servir a Deus, além do que é espiritualmente ordenado pela Palavra de Deus, que consiste no amor de si mesmo e do próximo. Por isso, rejeita inteiramente os inúmeros esforços fúteis de todas as cerimônias que pervertem a religião, como imagens e coisas semelhantes.
VIII
Também reconhece o magistrado civil ordenado por Deus apenas como necessário para preservar a paz e a tranquilidade do Estado. Para que fim, deseja e ordena que todos sejam obedientes a medida em que nada é ordenado contrário a Deus.
IX
Em seguida, afirma que o casamento é instituído por Deus para todas as pessoas como adequado e conveniente a elas, e não infringe a santidade de ninguém.
X
Finalmente, quanto às coisas que são indiferentes, como alimentos, bebidas e a observação dos dias, permite que tudo o que o homem crê que possa usar em todos os momentos de forma livre, a não ser o que a sabedoria e a caridade impeçam.
Fonte: REFORMADOS DO SÉCULO XVI
Sobre o autor: João Calvino
João Calvino (Noyon, 10 de julho de 1509 — Genebra, 27 de maio de 1564) foi um teólogo cristão francês. Aos 14 anos foi estudar em Paris preparando-se para entrar na universidade. Estudou gramática, filosofia, retórica, lógica, aritmética, geometria, astronomia e música. Em 1523 foi estudar no famoso Colégio Montaigu. Em 1528, com 19 anos, iniciou seus estudos em Direito e, depois, em Literatura. Em 1532 escreveu seu primeiro livro, um comentário à obra De Clementia de Sêneca. Em 1533, na reabertura da Universidade de Paris, escreveu um discurso atacando a teologia dos escolásticos e foi perseguido. Possivelmente foi neste período 1533-34 que Calvino se converteu, por influência de seu primo Robert Olivétan.
Calvino teve uma influência muito grande durante a Reforma Protestante, que continua até hoje. Portanto, a forma de protestantismo que ele ensinou e viveu é conhecida por alguns pelo nome calvinismo, embora o próprio Calvino tivesse repudiado contundentemente este apelido. Esta variante do protestantismo viria a ser bem sucedida em países como a Suíça (país de origem), Países Baixos, África do Sul (entre os africânderes), Inglaterra, Escócia e Estados Unidos.
Nascido na casa dele , ao norte da França, foi batizado com o nome de Jehan Cauvin. A tradução do apelido de família "Cauvin" para o latim Calvinus deu a origem ao nome "Calvino", pelo qual se tornou conhecido. Calvino foi inicialmente um humanista. Nunca foi ordenado sacerdote. Depois do seu afastamento da Igreja Católica, este intelectual começou a ser visto, gradualmente, como a voz do movimento protestante, pregando em igrejas e acabando por ser reconhecido por muitos como "padre". Vítima das perseguições aos huguenotes na França, fugiu para Genebra em 1536, onde faleceu em 1564. Genebra tornou-se definitivamente num centro do protestantismo europeu e João Calvino permanece até hoje uma figura central da história da cidade e da Suíça.[1]
Martinho Lutero escreveu as suas 95 teses em 1517, quando Calvino tinha oito anos de idade. Para muitos historiadores, Calvino terá sido para o povo de língua francesa aquilo que Lutero foi para o povo de língua alemã - uma figura quase paternal. Lutero era dotado de uma retórica mais direta, por vezes grosseira, enquanto que Calvino tinha um estilo de pensamento mais refinado e geométrico, quase de filigrana.
Segundo Bernard Cottret, biógrafo francês de Calvino: "Quando se observa estes dois homens podia-se dizer que cada um deles se insere já num imaginário nacional: Lutero o defensor das liberdades germânicas, o qual se dirige com palavras arrojadas aos senhores feudais da nação alemã; Calvino, o filósofo pré-cartesiano, precursor da língua francesa, de uma severidade clássica, que se identifica pela clareza do estilo".